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Redes antissociais

Se você usa o Instagram, deve ter reparado no aumento do número de vídeos curtos – ou Reels – que aparecem no seu feed. Deve ter notado também que vários desses vídeos não vêm de perfis seguidos por você, mas sim, de usuários estranhos, alguns sem qualquer relação aparente com seus interesses ou amigos. Pois saiba que essas mudanças marcam o início de um novo capítulo da competição por um de seus bens mais preciosos: a atenção. 

Num episódio recente do seu podcast, um dos meus autores favoritos, Cal Newport, chamou a atenção para uma matéria da CNBC sobre o duelo entre TikTok e Meta na arena dos vídeos curtos. Na reportagem, o presidente de global business solutions do TikTok, Blake Chandlee, reconheceu que a Meta, dona do Instagram e Facebook, estaria abertamente copiando a empresa chinesa dentro destes aplicativos. Para Chandlee, o investimento pesado da Meta em vídeos curtos poderia indicar um movimento arriscado da empresa na direção de transformar Instagram e Facebook, sobretudo, em "plataformas de entretenimento". 


O foco em entreter, não em conectar, não é novidade. O próprio TikTok, nas palavras de Chandlee, é uma "plataforma de entretenimento". Assim, como Cal Newport observa em seu podcast, a mensagem é clara: cada vez mais, Instagram, Facebook e Tiktok disputam a atenção de usuários com outros serviços, como streaming e televisão, e outras atividades, como ler livros ou passar tempo com a família. Com a diferença fundamental de que essa competição por atenção entre, por exemplo, vídeos de 15 segundos recomendados por redes neurais alimentadas por milhares de parâmetros, de um lado, e livros de papel de 300 páginas ou mais, do outro, não é exatamente o que nós podemos chamar de "justa".

O que fazer então? O primeiro passo é entender o que nós estamos consumindo. No começo dos anos 2010, as redes eram realmente sociais. Hoje, conectar pessoas conhecidas parece um objetivo distante, até anacrônico – a foto de dois amigos queridos que se casaram perde cada vez mais espaço no seu feed para posts patrocinados por marcas milionárias e vídeos curtos de influencers de quem você nunca ouviu falar. Interromper os estudos para checar o Instagram, por exemplo, não significa mais conferir o que os seus amigos estão fazendo, mas se entreter com conteúdo distribuído sob medida para capturar a sua atenção, mesmo quando você não pediu por isso.

Em outras postagens, trarei algumas ferramentas que você pode usar para tentar retomar o assento do piloto ao usar esses aplicativos. Eu sei que, para muitas pessoas, não usar redes sociais não é uma opção. Isso não quer dizer, porém, que a sua atenção deva ficar à mercê do seu feed.

Comentários

  1. conteúdo de alta qualidade! 👏

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  2. André Gadelha04 julho, 2022 22:36

    Excelente reflexão! Realmente, existe hoje algo que é de fato muito questionável em termos morais: o algoritmo. Enquanto essa tecnologia oferece uma facilidade de acesso a conteúdos de grande serventia às pessoas, ela também é utilizada como uma máquina de prender a atenção e reforçar visões limítrofes da realidade (em termos políticos e afins). Sucesso no blog Vítor!

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    1. Perfeito, André! Mais à frente, escreverei uma postagem sobre como a maioria das pessoas, incluindo legisladores interessados nessa questão, provavelmente tem uma concepção errada de como o "algoritmo" funciona e como ele poderia ser "regulamentado".

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  3. Thaís Brandão04 julho, 2022 23:09

    Irretocável! As redes sociais consomem cada vez mais nosso tempo e o excesso de informação rápida e rasa vai nos tornando cada vez mais “dependentes” desses estímulos e cada vez menos produtivos e satisfeitos na vida real. Ansiosa para aprender ferramentas e estratégias pra utilizar as redes de forma mais saudável. 👏🏻

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  4. Augusta Mourão04 julho, 2022 23:38

    Texto de uma maravilhosa reflexão sobre o tema abordado meu parabéns!!! Irei ficar acompanhando 😉

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  5. Verdade. Eu já tinha percebido um pouco isso, mas realmente as plataformas estão virando entretenimento. Dificilmente vejo post de amigos, tem uns que até eu vou vê se tô seguindo ainda, pq nunca mais vi nada. E quando vejo, o Instagram parou de mostrar o conteúdo pra mim

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    1. Bem observado, Andressa! Uma das próximas postagens falará justamente do que podemos fazer para contornar a forma como muitos desses aplicativos funcionam.

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  6. Verdade! Cada vez menos estamos conseguindo consumir as redes sociais, de fato, socialmente.
    O vício pelos vídeos curtos e de entretenimento rápido, inclusive, têm substituído é muito outras formas de entretenimento, como a leitura - que você citou, o que acaba prendendo muitas pessoas em um hábito que uma vez foi saudável e vem deixando de ser cada vez mais.

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    1. Exatamente, Paty! Sem falar das consequências para a retomada dos hábitos mais saudáveis. Mesmo quando o indivíduo tem a intenção de diminuir o tempo nas redes sociais e voltar, por exemplo, à leitura, o caminho pode ser bem mais difícil por conta da forma como o seu processo atencional tem operado nos últimos meses ou anos.

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  7. Adorei a reflexão, e estou ansiosa pelo próximo conteúdo!! 👏🏻👏🏻👏🏻

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  8. Eu fico triste que o instagram tenha tomado o caminho de priorizar tanto os reels, isso favorece o entretenimento mas simplifica a produção de conteúdo. Eu não gostava do que aparecia nos meus reels, mas fui marcando "não tenho interesse" e hoje o conteúdo tá bem melhor. Deixou de ser o conteúdo das massas e passou a ser algo mais nichado, por isso acho a existência dos algoritmos melhor do que a ausência. A questão é aprender a educar o algoritmo. Podem saber sobre mim e me mandar conteúdo e anúncios direcionados, eu só não gosto de priorizarem o conteúdo raso (vídeos curtos). Por outro lado, só vê reels quem quer. Existe um motivo para esse conteúdo fazer mais sucesso. O conteúdo com movimento e som parece mais atrativo, assim como escutar alguém olhar para você e falar parece "mais atrativo" que ler algo, principalmente em tempos de restrição social. Ainda temos o debate de até onde as pessoas possuem as rédeas do seu próprio comportamento e "escolheram" os reels, mas acredito que para as massas... é simplesmente mais atrativo.

    Excelente resenha, aguardo as próximas!

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    1. Ótima reflexão! Mas vou aproveitar para lançar outra: sinalizar para a plataforma que o conteúdo não é interessante para você é realmente eficaz? Vale a pena lembrar que métricas como grau de interesse, tempo de visualização e interação com a postagem são apenas alguns dentre centenas - às vezes, milhares - de parâmetros que o usuário fornece, conscientemente ou não, às redes neurais que operam na recomendação de conteúdo. Talvez no começo dos anos 2010, numa dinâmica de contato, "educar o algoritmo" fosse possível. Hoje, numa dinâmica de entretenimento viral, é difícil de imaginar que o usuário consiga, de fato, direcionar razoavelmente o algoritmo numa plataforma como o Instagram.

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  9. Melhor coisa q ja fiz foi largar o insta. Valiosa reflexão

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  10. Boa reflexão. O "problema" é que o objetivo primaz das redes não é conectar, nem entreter, mas lucrar. Se é com conteúdos curtos direcionados por algoritmos que se alcança mais (e melhor) as diferentes pessoas para fazer anúncios, é difícil que haja alguma mudança na direção que estávamos mais acostumados no passado.
    Mudando um pouco a discussão, o que me preocupa nisso tudo é o efeito que essa dinâmica está causando nas pessoas. O costume com conteúdos cada vez mais curtos (e mesmo quando mais longos, vê-se/ouve-se em 2x) para uma imediata recompensa está criando gerações impacientes e mimadas scrollando timelines. Assuntos e discussões mais profundas (como neste raro blog aqui - blog? O que é isso? Veio dos anos 2000? :D) ficam de lado. Está surgindo (ou já surgiu) uma geração que não sabe o que é ter que esperar uma semana pro próximo episódio do desenho animado (exemplo bobo, mas com o mesmo princípio), e que mesmo que haja intervalo comercial, já tem um celular na mão para ocupar a atenção. É 100% de taxa de entretenimento a todo tempo, não se pode ficar um segundo esperando. Engajados nessas redes que incorporam essa dinâmica, ficamos com nossos cérebros viciados nessa recompensa imediata. Um dia a conta chega.
    Abraço, grande AV Mello!

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    1. Em cheio! Vou até acrescentar a esse ponto, notando uma consequência clínica dessa dinâmica: as queixas de saúde mental relacionadas à ansiedade pelo uso de redes sociais aumentaram - e devem continuar aumentando - consideravelmente em todo o mundo. Adolescentes, por exemplo, estão entre os que mais sofrem com isso: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/02673843.2019.1590851

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  11. Essa mudança de direcionamento que as redes estão tomando, como redes de entretenimento, me tem feito criar verdadeira repulsa ao uso do instagram, tanto pela sensação de distração, quando você se pega perguntando o que foi fazer num primeiro momento, após já estar imerso em diversos conteúdos pelos quais não buscou de forma ativa, quanto pelo sentimento de perda de tempo produtivo que poderia ser usado em outras atividades. Tenho entrado uma vez por semana e a única coisa que ainda não me levou ao sepultamento de minha conta foi o medo de perder em definitivo contato com amigos que só vejo pelas redes, nem que seja para saber por onde andam, o que têm feito e como estão.

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    1. É uma observação cada vez mais comum, Gabriel! Realmente, o contexto das redes tem se tornado mais aversivo para muitos de nós. Por outro lado, é bom saber que você tem conseguido diminuir a frequência de uso e procurar manter o objetivo de conexão na plataforma. Numa das próximas postagens, vou escrever justamente sobre uma ferramenta que pode ser uma baita mão na roda nessas horas!

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  12. Não, não notei conteúdo de estranhos ou famosos que não sigo no meu feed, somente duas postagens de contas que eu não seguia (e não eram patrocinadas), mas tinham a ver com contas que sigo. E a maioria dos posts patrocinados têm a ver com meus interesses. Mas, de fato, as redes têm se tornado entretenimento, extremamente viciante. E a competição com livros e outras atividades é de fato desleal. A tendência é piorar...

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