Hoje o Blog estreia uma nova coluna! Dê as boas-vindas a Otium!
Em latim, otium pode ter
vários significados. Alguns são mais generosos,
outros, menos. Foquemos nos primeiros, que são os mais solidários com a nossa
saúde mental: otium como “lazer” ou “tempo livre para contemplar”.
Dedicar-se ao otium –
ou, como você já deve ter adivinhado, “ócio” em português – é fundamental para
quem se interessa por aprender mais e produzir melhor. Afinal, sem tempo para descansar
e espairecer depois de um dia exaustivo, não há estratégia de aprendizagem ou
produtividade que se sustente a longo prazo.
O problema é que, como já escrevi
anteriormente, o seu tempo livre é um prêmio
disputado por competidores ferozes. Chegar em casa, trocar de roupa e ler um
bom livro é cada vez mais raro. Cada vez mais comum – e, admito, assustador – é
ver alguém que, depois do trabalho, desaba na cama e desanda a rolar o feed
da rede social até perder a noção das horas (e se você quer retomar o controle
sobre o seu feed, sugiro começar por aqui).
A ideia da coluna, portanto, é trazer
sugestões de como você pode dedicar o seu tempo livre a atividades que realmente
o mereçam. Mas não se preocupe, ninguém está rezando a missa do “ócio
produtivo” aqui. O oposto de otium é negotium (“não-ócio” ou
“negócio”), e eu não tenho a menor intenção de catequizar a sua noite de terça ou
tarde de domingo com trabalho disfarçado de lazer.
A única palavra da salvação que
eu convido você a aceitar é esta: qualquer sugestão da Otium valerá mais
a pena do que o feed da rede social. Doe algumas horas do seu tempo
livre a algo que valha a pena e você verá que, no dia seguinte, a sua bateria
estará devidamente carregada e a sua mente, genuinamente agradecida.
Vamos inaugurar a lista de recomendações
então?
Magos do Cubo (The Speed Cubers, 2020)
Esse documentário de apenas 40 minutinhos é um tesouro perdido na galeria da Netflix.
O filme acompanha a história de
dois dos maiores cubistas – resolvedores de Cubo de Rubik, o “cubo mágico” – do
mundo. Um deles, Feliks Zemdegs, é um jovem australiano que dominou o cenário dos
recordes e das competições mundiais por cerca de uma década. O outro, Max Park,
é um jovem americano que, sendo mais novo do que o primeiro, surgiu como um
meteoro no horizonte e arrebatou todos os grandes recordes anteriores. Porém, mais
do que uma introdução ao universo absolutamente fascinante dos cubistas, o
documentário é uma história sobre a amizade inspiradora entre aqueles dois:
Feliks, que é neurotípico, e Max, que é autista.
Há algo de genuinamente
especial no documentário. Em menos de uma hora, por exemplo, perdi as contas de
quantas vezes fiquei de queixo caído. Crianças se frustrando porque resolveram o
cubo em oito segundos, em vez de seis. Cubistas competindo para
descobrir quem é o mais rápido em solucionar o gigantesco cubo 7x7x7, usando apenas
uma mão. E, acredite, modalidades em que os cubistas resolvem o
objeto com os pés.
Por outro lado, também perdi as
contas de quantas vezes me emocionei. Max, por exemplo, foi diagnosticado com
autismo entre moderado e severo na infância. Ensiná-lo a manusear o cubo e inscrevê-lo
em competições foram maneiras encontradas por seus pais de ajudá-lo a
desenvolver habilidades motoras e socioemocionais. É impressionante observar,
portanto, como aquele universo de derrubar o queixo não é nada comparado ao
próprio universo de Max, para quem aquilo é, acima de tudo, uma oportunidade de
se desenvolver. E Feliks, que poderia ser apenas o seu “maior adversário”, é,
na verdade, o seu maior amigo e ídolo.
Por isso, eu repito: há algo de genuinamente especial num documentário que, podendo ser sobre as coisas extraordinárias que algumas pessoas fazem, escolhe ser sobre o quão extraordinárias essas pessoas são. Dê uma chance a esse tesouro perdido na Netflix. Ele, sim, vale cada segundo do seu tempo.
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